Pedro Paulo – Capítulo 1

Pedro Paulo – Capítulo 1 – O encontro Conheci Paulo no parque, numa pedalada matinal num sábado frio de junho em São Paulo. Olhamos um para o outro e ficamos com o meio sorriso quase aberto, mas ambos desviaram o olhar e seguiram, eu num sentido e ele em outro. No sábado seguinte, fui ao prque novamente, no mesmo horário e lá estava ele também com sua bike, em mais um dia frio de exercício matinal. Veio um sábado, outro e começamos as primeiras conversas, ainda que ficassem interminadas, entre um olá, o comentário sobre o tempo e a coincidência de horários no parque. Comentei sobre a banda em que cantava à noite, somente aos fins de semana e meses depois, ele apareceu, escondido atrás de seus óculos, o sorriso mais largo mas reticente e meus olhos brilharam e tenho certeza de ter ruborecido um tanto. Do palco, acenei para que me esperasse. Eu disse algo como “Hey” e ele respondeu que aguardaria na saída do bar. Foi o dia que mais rápido me despedi da banda e segui ao seu encontro. Nós nos demos as mãos e depois de ouvir um “Tudo bem, Pedro?”, praticamos monólogos paralelos, buscando o encontro, nas conversas que se iniciaram do bar ao restaurante.

(Continua)

David Felipe

TRÊS – III. Vem

III – Vem

MARCELO
Assim como devem ter notado, eu sou um dos protagonistas desta história e nada mais justo que o primeiro post em primeira pessoa ser o meu, o mais famoso dos três. O autor cismou em por uma garotinha desesperada por mim e um manezinho que eu descubro neste capítulo. Inteligência às vezes me atrai, se é que me entendem. Não, eu não estou aqui para quebrar tabus. Vou avisando que eu simplesmente vivo.
– Nada, Doug. Ia ser coincidência demais o mané que estava perturbando nossa chegada estar na mesma balada que a gente.
– Te falando. Eu reparei quando ele xingou.
– Beleza?
– E você cumprimenta?
– Por que não, Doug? Beleza, cara?
– Eu te conheço…?
– Ainda não. Quer dizer, talvez. Ou, com certeza. Eu não sou tão comum assim – e ri alto.
– Ah, você deve ser amigo da Paty, minha colega da faculdade. Ela vive levando uns amigos malas nas festas de lá.
– Amigo mala? Então não sou eu, mané!
– Putz, velho. Fica de boa aí. Não posso com subcelebridades.
– Você me conhece, então.
– O comercial de sorvete. O único que você fez.
– Olha, Doug. Está sabendo bem para me achar um mala.
– Chega, Celo! Bora circular.
– Ok, bora.
– Sobre o comercial de sorvetes, quem é que tinha a nossa idade que não colecionou os benditos palitos com os desenhos tribais? Difícil de esquecer. Ah, e não vá tropeçar. Esses óculos vão acabar te fazendo cair.
– Obrigado, mané!
– Pode chamar de João.
– Johnny! – e ri alto, de novo.
– Bora, Celo!
– Vai que o amigo já está enciumado.
O mané era inteligente, de fato. Em poucos minutos de conversa e já tinha uma boa visão da situação. Mané, mas interessante.
– Eu vou até lá, Doug.
– Como assim?
– O mané não merece ficar sozinho na balada.
– E eu? Vou ficar…
– A galera do Luqinhas liberou nosso acesso ao camarote. Vai lá que eu apareço daqui a pouco.
– E aí, mané, curtindo a balada sozinho?
– Pois é. Mas pode chamar de João, como eu já te falei. E dá uma circulada aí. Não vai passar de “sub” se continuar conversando com estranhos e comuns.
Para não continuar gritando em meio à música alta, aproximei-me mais de seu ouvido para continuar falando.
– Estou de boa – quis ele se afastar.
– Eu também. Tranquilo.
– Mané.
– Mala! Se liga.
– Vem.
Um beijo roubado, e o cara sumiu no meio da galera.
Quem deixa Marcelo S. falando?

(Continua)

David Felipe

TRÊS – Popstar

II – Popstar

Só na máscara. Marcelo deu uma última olhada no espelho e colocou os óculos de sol que recebeu na última semana, os mesmos que Justin Bieber usava numa das fotos postadas num dos tabloides de Nova York. O show não pode parar para quem quer atingir a casa de milhão em seguidores. Ele ainda não sabe da medida que o fez subitamente famoso na rede. Na verdade, ele sabe parcialmente: carisma. Carisma é algo que se tem ou não e o dinheiro sempre dá um upgrade nos que acham que o tem. Some-se isso a um bom saldo das finanças familiares e a vida pode ganhar muito mais cores, as cores que você quiser.
– E quem disse que não tem agito por hoje, meus amores? Podem aguardar as fotos em tempo real que hoje a noite não tem fim para Marcelo S. Minhas lindas, um beijo. E hoje um especial pra Amanda Matos. Sim, Amandinha. Você foi a escolhida para o tour Marcelo S da próxima semana. Dois beijos! – e Marcelo fez sinal de continência com o indicador e dedo médio da mão direita – Twitcam finalizada. Oi, Luquinhas. Minha entrada está liberada, certo? Estou chegando – riso alto.

AMANDA
– Eu não acredito. Belisca, Paty! Ai! Certo, doeu. Thanks! Eu e o Marcelo um dia inteiro juntos!
– Falei que ia dar certo, amiga. Valeu a pena as horas fazendo cem metros a mais de carta pra ele.

MARCELO
– Nada, Doug. Nem sei quantos metros tinha a carta da guria. Escolhi mesmo porque foi a primeira que conseguiu desenhar meu rosto direito. As gurias não tem muita noção de proporções geométricas – e ria-se – Essa Amanda foi bem, certinha! Mais uma gordinha pra fidelizar.
– Não fala isso, Celo. Coitada da guria.
– Coitada? Um dia todo comigo. Tadinho de mim.
– É, ficar contigo é para poucos.
– Bobão! Até parece que não dou atenção – e socava de leve o ombro de Douglas.
– Chato.
– Tio, estão me esperando. Dá pra andar?
– Deixa quieto, Marcelo. Deixa o cara dirigir tranquilo.
– Pode acelerar, tio. Quebra essa.

JOÃO
– Hey! Passa por cima, trouxa! Taxista mané!
O taxista ameaçou uma vez mais e ultrapassou o carro de João pela direita.
– Filho da…Trouxa! Mostra a bunda pra sua mãe, seu…

MARCELO
– Viu só, Doug! – Marcelo não contém a gargalhada.
– Isso, mostra a bunda mesmo, vacilão! Desculpa, moço. Já bebeu hoje.
– Bebi nada. A noite ainda vai começar.

AMANDA
– Sonhando já, Paty! Eu e o lindo do Marcelo um dia todo juntos.

MARCELO / JOÃO / AMANDA
– Ai, a noite – em três tons: saltitando/ fulo / extasiada.

David Felipe

TRÊS

TRÊS

I

MARCELO tem mais de sessenta mil seguidores no Twitter, estuda teatro, aguarda ansiosamente pelos seus vinte anos e às sessenta mil fotos postadas no seu principal perfil da rede. A jogada maior será descobrir mais quinhentas poses novas para não se repetir e parecer cada vez mais antenado a tendências que se orgulha de propagar nos fins de semana datados nas festas mais badaladas que finalmente seus contatos podem lhe garantir presença. Antes que perca a descrição: seus olhos são castanhos claros, os cabelos chegam à altura dos ombros quase e são semiparafinados. Mas ele não se arrisca no long board. Prefere ver os surfistas da margem e postar alguma análise no blog. Isso, ele tem também um blog sobre esportes. Dezenove anos, seis meses, onze dias e faltam agora apenas quatrocentos e noventa e nove poses. Acabou de ter uma ideia para a nova postagem. Cinquenta e cinco mil quinhentos e uma fotos. E contando.

AMANDA acaba de ver a última postagem do Marcelo e deu um “curtir”. Adorou a ideia das balas de goma deixando somente seus olhos e a boca aparentes. Diferente dele, Amanda acaba de completar os dezenove anos, só fez o perfil no Twitter para segui-lo e não tem mais que sessenta seguidores, sendo cinquenta e nove deles fãs do Marcelo que compartilham de sua paixão pelo garoto. Ela estuda Letras pela manhã, comprou um pen drive exclusivo para o backup das fotos do Marcelo e costuma ter as maçãs do rosto vermelhas quando fala dele com as amigas. Ela não conseguiu ir ao último encontro de fãs e por isso acabou roendo as unhas, coisa que não fazia há dois meses, quando soube que o ídolo gostava de unhas compridas e coloridas em suas paqueras. A unha artificial lhe deu alergia e ela resolveu tirá-las. Mais uma semana e elas voltam ao tamanho normal. Aguardando.

JOÃO. O João tem o nome mais comum do planeta luso-brasileiro e na escola era chamado de Fuzil. Não, ele não tem um temperamento violento. Fuzil foi a maneira carinhosa que arrumaram para lhe chamar após o incidente com as pistolas de água durante a festa junina do primeiro ano, quando foi atacado por um grupo de cinco alunos da terceira série do fundamental que não gostaram que ele demorasse a entregar os prêmios na pescaria. Naquele ano os alunos que ajudassem seriam dispensados de algumas aulas e foi o que ele fez para ter mais tempo a estudar para as provas pré-vestibulares. Ele garantiu uma bolsa num cursinho e acabou entrando para faculdade pública. Orgulho? Talvez dos pais. No círculo novo de amigos todos afirmavam ser fácil o êxito, afinal, todos já estavam dentro. Ah, o João tem rede social também, só que ainda não conhece o Marcelo nem a Amanda. Ele está contando os meses para a primeira viagem de avião. O curso que ele faz? História. Pelo ranking, realmente não é dos mais concorridos em faculdades públicas. Por que ele insistiria em ter tanto orgulho assim? Ele pensava desse modo, mas animava-se pelo fato de o dinheiro ter-lhe garantido uma primeira viagem interessante, de avião. Dezenove anos, seis meses, onze dias e faltando algumas dezenas deles para o grande dia. E contando.

Em algum momento, a história dos três se cruza, claro. Nos próximos capítulos de TRÊS.

David Felipe

Covarde

Covarde

Eu sou um covarde

porque prefiro explodir

a gritar para o mundo inteiro

que não importa mais nada

porque eu te amo e pronto

Eu sou um covarde

quando tomo remédio pra dormir

em lugar de sair correndo pra você

sem me importar se me recebe ou não

Eu sou um covarde

por não lutar por isso que isso que sinto

assim como por qualquer outra coisa

que quis nessa vida

e você é mais, bem mais que qualquer coisa

Falta você aqui, agora

E eu tenho medo que não passe

Eu já implorei pra Deus

por que não consigo mais

e duvidei, por ele não escutar

Eu tive raiva, eu tenho raiva

de quem possa te tocar

Até quando?

Até quando?

Ah, eu queria secar de vez

ou ter seu cheiro de novo,

só que por períodos maiores

quem sabe pra sempre

um pra sempre de uma noite inteira

para eu ter um tanto mais que recordar.

(David Felipe)

FÔLEGO – 15. Ave de prata

Ave de prata

“É muito mais do que muito

Muito mais do que tantos anos piorei

É muito mais do que mato

Muito mais do que morrem

todos pela planta do pé

É muito mais do que terra

Mais do que bicho se quiser procriar

Uma espécie, sementes de água

mistérios da luz”

(Zé Ramalho)

Não, não houve sexo àquela noite. Ele deitou-se sozinho sobre a cama de solteiro, num respirar leve e seguro. A memória parecia trazer-lhe à tona o cheiro daquela pele, como se estivesse de vez misturada a sua, como se fosse real, como se aquele cheiro beirasse de verdade sob as suas narinas. E já não pertenciam mais um ao outro, e já não podia dizer que era uma sensação revista da noite anterior. Adormeceu ele, nu, sobre os lençóis, com os olhos secos, longe dali, longe de tudo que palpasse ao mundo real, mas a pele, aquela pele parecia tocar-lhe até o momento em que fechou os olhos.

Os pés massageados com calma e cautela, tendo desenhado cada carpo, sua própria pele sublinhada entre cada ligamento de suas artérias. Despertou.

Ela não deixou que ele dissesse nada, e bastou que olhasse, sem dizer. Não, não se beijaram nos lábios como de costume. Ela não lhe prestava subserviência como poderiam pensar numa leitura fria, tampouco ele quando puxou a perna com calma para que parasse de tocá-lo. Ele juntou os joelhos e sentou-se sobre os ísquios em cima da cama e ela seguiu seus passos e fez o mesmo, em espelho a seu corpo.

Por quase uma hora inteira não se olharam, não disseram uma palavra. Ficaram assim, com as costas apoiadas, respirando, sentindo o outro sem ver. Mentira seria se não contasse que algum pranto passou por ali entre ambos e que por vezes intentaram levantar-se, porém comedidos por si mesmos, não o fizeram. Até que a resistência não permitiu e viraram-se num mesmo impulso de frente ao outro e olharam-se, ainda sem dizer.

Os lábios se aproximaram de novo sem um beijo. Os cheiros de pele confundiram-se. Mãos receosas desenharam o rosto do outro mutuamente. Deitaram-se num longo abraço, aninhados um ao outro, sem querer ter fim.

Adormeceram. Despertaram. Tomaram fôlego.

Guardou-se o cheiro, a pele, o quase-beijo e a vida seguiu.

David Felipe

FÔLEGO – 14. Dia Perfeito

Dia Perfeito

“E me disse esquisitices

E que também vai se guardar

Para quando o carnaval chegar”

(Marcelo Gross)

Dia perfeito, não soube ainda para quem? Sim, para outrem. A hora que se cruzaram na esquina, não foi como de costume. Os rostos tocaram-se de leve como se não pudessem mais, como se fora proibido. E por que, por quem?

Sem meias verdades, abriu-se um sorriso lindo como todos os outros que ela já soubera dar, e ele quase conseguiu sorrir de volta, mas baixou os olhos, resistiu.

Ela dançava com graciosidade debaixo das saias brancas que seguiam leves até o meio dos joelhos e brincava com as mãos enquanto a música lhe invadia os sentidos todos. Bonita como sempre estivera, menos talvez por não estar entre seus braços, foi o que ele pensou ao mesmo tempo em que deu uns três passos a mais para trás, acenou para alguns amigos que estavam próximos a mesa do bar e seguiu até o carro em poucos minutos.

Ele remontava algumas lembranças na mente e ela sambava de olhos fechados tentando esquecer. O momento que qualquer um chamaria de sublime senão doloroso. O rímel nos olhos borrou com a única lágrima que escorreu e desmanchou-se antes de cair por seu semblante.

O volante do carro recebeu algumas pancadas e as marchas arranharam até que ele chegasse em casa, retirasse cada peça de roupa e fosse para debaixo do chuveiro. Ela definitivamente tem algo que nunca sai de moda na cabeça de quem se deixou cativar. É aquilo tudo que envolve boca, olhos, ouvidos, uma voz sensacional, o melhor tom encaixado para cada frase banal que fica perfeita.

Seus diálogos não faziam mais tanto sentido. As frases que trocavam não levavam a um lugar comum. Ou levavam, todavia negava-se a qualquer preço para que nenhum resquício pudesse sobrar debaixo de suas peles. Era o que ele tentava fazer debaixo do chuveiro, esfregando-se até descamar, lavando o cheiro que não sairia de suas entranhas e que não sabia dizer que combinação de notas continha, porém que era percebido na primeira leve inspiração. E era como se não tivesse mais o ar e não podia guardar isso num pote e provar de madrugada a colheradas.

Flutuando, como uma nuvem.

Sim, o carnaval está perto. Quem marcará a marchinha da moça?

David Felipe

(Continua)

FÔLEGO – 12. Roupa do corpo

Roupa do corpo

“Quando a noite chegou

Subi no bonde correndo

Cantando e batendo com os dedos

Um samba na palma da mão

Eu não olho pra trás, não

Não, não me arrependo!

Vou com a roupa do corpo

Não sei bem pra onde

Mas não paro, não”

(Filipe Catto)

Sapateando sem sair do lugar. A expressão é repetida talvez, mas ainda cabe. Seria essa a ação esperada por ele se pudesse conceber o grau de desprendimento da moça, toda lépida, fagueira e cheia de confiança caminhando pela noite que protege os estranhos e guarda quem acha que faz algo de errado sem saber. Uma noite mais de balada, de batom retocado e bochechas rosadas sobre a pele limpa e delicada. Ah, a pele reluz na noite sob a luz fria dos refletores e se faz tão macia ao toque que inebria em poucos segundos.

Se pudesse, ele teria adormecido para sempre ao toque daquela pele e não importaria a febre, o calor consumindo por dentro, as estranhas doendo pelo quase que não se concretiza. A pele na ponta dos dedos, a pele ao alcance das mãos, a pele sob o roçar dos lábios, recebendo o ar de seus suspiros. Redesenhar o seu rosto como quem faz das mãos um pincel expressionista, deglutindo sua insensatez a flor da pele, deglutindo sua jovem segurança anteposta a seu semblante. E redescobrir na cor de seus olhos que o mundo continua lindo e girando e que está vivo de novo, e que continua vivo para de modo ou outro ter o tal do quase que não se concretiza. E na delicadeza de seus lábios e linhas do rosto delicado, refaria qualquer arte perdida. Refaria ali o sentido da arte.

Mas sambavam em terrenos diversos a esta hora, sambavam sem saber um do outro e ela já conseguia sorrir e ela já conseguia remexer as cadeiras com os olhos brilhando. A luz de uma vida plena, a luz de um desejo que não cessa.

E ele desejando estar ali, sem saber que lugar seria este.

O desejo vestido, o desejo sapateado, o desejo sambado até as últimas horas da madrugada. E a saudade da pele que persistia.

David Felipe

(Continua)

FÔLEGO – 11. Crime Passional

Crime Passional

“Na madrugada tem perfume e vela

Pra atrair alguém que vem e traz

Alguma coisa que em ti me falta

Uma atenção singela

Pra deixar a noite em paz”

(Filipe Catto)

Ela estava nua sobre a cama, perdida entre os lençóis com o semblante mais leve e bonito que ele não pôde deixar de admirar com uma raiva contida. Enquanto ela dormia, ele preferiu não fazer barulho, tirou o relógio devagar e sentou-se sobre os ísquios, esquecendo-se por ali por uns trinta minutos, o tempo que levou para que ela despertasse com o olhar ainda repleto de luz. E ela se cobriu como nunca fizera antes, como se fosse vergonha estar ali tão…:

– Quem fez isso com você?

– Isso o que? – e ela seguiu com os olhos ao redor.

– Pelo visto ele já foi embora. Pelo visto, ele cansou de você.

Ele avançou sobre ela e prendeu a mão entre seus cabelos pela nuca, abraçando-a com força:

– Por que fazer isso comigo? – e desceu a mão sobre o seu sexo.

– Pára.

– Eu não posso?

– Não, você não pode limitar minhas felicidades.

– Limitar suas felicidades? – e a abraçou mais forte – Eu não sou o bastante?

– Pelo menos eu sei quando eles vão embora. Eu sei que por vezes só valem pela hora e pronto. Eu sei que vale só pelo gozo!

Um corpo nu sobre a cama e duas mãos em seu pescoço. E lágrimas pingando sobre os seus seios, sem parar.

– E quantas vezes só nos valemos pelo gozo?! E quantas vezes? Você não pode dizer isso. Sou eu quem te faz vivo e é você que me faz assim. É a mim que você está matando, corroendo.

– Eu não suporto mais me viver em você.

– Isso é mentira. Mentira!

Ele soltou seu pescoço e a beijou como numa última vez. Beijo roubado, corpo solto.

As febres que adoecem sem saber.

 David Felipe

(Continua)

FÔLEGO – 10. Garçon

Garçon

“Garçom, no bar todo mundo é igual

Meu caso é mais um, é banal

Mas preste atenção, por favor”

(Reginaldo Rossi)

 

Ele pegou a primeira rodovia saindo da marginal e seguiu com o carro. Sim, parou no primeiro bar, levantou a mão e pediu sua água com limão. Não, ele não bebeu cerveja, não se embriagou nem sequer jogou bilhar. Não havia amigos por perto, não havia clima, não havia nem sequer uma inspiração. Eram sete e meia da manhã aproximadamente e o cenário não colaborava para que se tivesse um esboço, quiçá um ideal da típica atmosfera das dores de cotovelo. Mas o senhor com o queixo apoiado sobre a vassoura, a idade avançada e o não ter clientes mais para atender, deixou-se ser ouvidos e ouviu:

– Eu acho que nem te dei bom dia. De qualquer forma, bom dia. O senhor acredita que eu disse “Eu te amo” e ela respondeu “Eu não quero mais”? Eu não entendo mais nada. Está certo que eu saí, mas eu precisava de um tempo pra saber se era isso mesmo que eu queria dessa vida, se eu queria meu coração acelerando do nada e se queria tocar aquela pele de novo, no momento seguinte a ter desgrudado meus lábios de… O senhor já deve ter me entendido.

E o senhor assentiu com a cabeça que sim e fez menção de falar alguma coisa.

– Não, o senhor não precisa ficar preocupado. Longe de mim tomar qualquer outra droga. Não, não que ela seja uma droga. Mas causa o mesmo efeito, uma dependência, um nem sei dizer o que é que me faz voltar e voltar de novo e dizer seu nome quando ela está longe só pra ouvir alguma coisa bonita e que me faça resistir o resto das horas que faltam para nos vermos. Eu percebi que eu não posso mais viver sem e eu tenho certeza que ela também não. Só que é um pouco com se nos matássemos um pouquinho a cada dia, acredita? A sua água com limão é maravilhosa. Até me dói menos o estômago, mas ainda está vazio por aqui.

Um copo vazio arremessado contra a parede.

– Eu pago, não chame a polícia, não chame ninguém. Por favor, eu pago. Eu recolho os cacos, só não sei se vai adiantar. Eu pago, desculpe. Eu pago.

E ele repetiu “Eu pago, eu pago, eu pago. Eu recolho os cacos, só não sei se vai adiantar”.

E o senhor pediu que se acalmasse e que ele não voltasse mais. Não voltou. Ele deixou uma soma de dinheiro à mesa que pagava umas dez águas com limão e uma caixa de copos. Partiu.

David Felipe

(Continua)