Mais uma de amor – Parte 2.4

Mais uma de amor- Parte 2.4

(…)

Academia de ginástica, lugar perfeito para os vaidosos de plantão e para quem se preocupava em manter-se saudável, como Maurício e Antônio, nesta ordem:

-Água, Maurício. É disso que eu preciso agora.

-Não, calma aí. Mais dois e está liberado.

-Um…Dois…Pronto!

-Progresso. Mais algumas sessões de abdominais que você me acompanhar e ganhará um abdome definido, tipo o meu, saca?

-Não preciso de tanto. Estou feliz se continuar em forma.

-E continuar a beber água. Sabe que eu só bebo porque depois venho pra cá malhar e recuperar o que quase perdi.

-Está certo, cara. Agora, vou a minha água. Você vem?

-É, por hoje acabei.

-E então, ligou pra Raissa?

-Deixei recado na secretária eletrônica faz umas duas semanas. Mas como ela nem retornou, estou desistindo.

-Sério? E aquele amor todo?

-Sei lá. Vai ver foi só clima. Acabou.

-Melhor, assim você não deixa prejuízo pra garota.

-Está de sacanagem, eu até pensei que podia rolar algo legal, mas se ela não colabora, não posso fazer muita coisa.

-E sua boca, ainda está assim vermelha. A Verônica pegou pesado, hein? Já era pra estar normal.

-Pegou pesado de novo.

-O que? Vocês…

-Ela sabe o que é um cara carente e não fiz por mal trocar o nome dela.

-E o vermelho na boca?

-Ela está um pouco agressiva nos últimos tempos.

-Últimos tempos? Duas semanas.

-Duas semanas bem animadas. Estou precisando tirar o estresse.

-Sei, sei.

-Sério, sem compromisso.

-Você fala por você, né? Olha quem vem aí.

-Oi, meu amor.

-Oi, Verônica. Tudo bem?

-Tudo. Aonde vamos?

-Estou vendo, ainda preciso passar em casa e tomar um banho.

-Está bem. Vou com você.

-Bem, vou nessa, cara. Até mais!

-Vai pela sombra.

-Esperto você. Falou!

-Ele, por acaso, estava…

-Não estava nada, Verônica. Dá um beijo no bonitinho aqui, vai.

-Não seja por isso.

E o resto não é preciso relatar ao leitor mais atento, que certamente compreenderá o ocorrido.

Passaram-se alguns meses e recados e recados deixados na secretária, após nenhuma resposta para eles, Raissa decidiu retornar uma ligação para Luca e destino ou não, se encontraram no dia 12 de junho, numa cantina italiana que oferecia jantar especial aos enamorados do momento, com direito a buquê de flores na entrada, especialmente para as jovens que um dia haviam apenas rabiscado grandes amores em seus diários.

-Olá.

-Ah, oi. Desculpa o jeito. É que para uma quarta-feira, meio de semana, não dava para me arrumar tanto.

-Imagine, tu, é, você está linda.

-Deixa disso, sabe que acho bonitinho você trocar os pronomes.

Péssima observação a fazer. A questão é que a convivência com os parentes, não deixava que Luca perdesse o costume de usar o tu no lugar de você, como se faz em São Paulo, o que não lhes atrapalhava em nada na comunicação, entretanto poderia parecer preconceito.

-Desculpe, não quis dizer isso. Digo, disse, mas na melhor intenção possível.

-Foi sincera?

-Isso.

-Então fico lisonjeado, certo mina?

-Certo – e ria-se.

-Preferia guria?

-Não, Raissa, sei lá, como quiser. Não vamos discutir por isso, está bem?

-Claro. Vamos?

-Vamos.

Como a cantina não era longe dali, bastaram poucos minutos para que chegassem ao local e tomassem lugar à mesa reservada:

-Ah, reservou lugar?

-Sim, não ia te fazer ficar esperando.

Ponto positivo para o rapaz. E para a moça também:

-Gostei da camisa.

-Obrigado. Foi a…

Não diga que foi a primeira que achou no armário – dizia Raissa em seus pensamentos.

-…primeira que peguei no armário.

-Claro. Imaginei.

-O que?

-Nada. Acho que devíamos pedir.

-E pensou em alguma coisa?

-Quem sabe, uma massa?

Péssima observação número 2, afinal, eles estavam numa cantina italiana.

-Você não perde o senso de humor.

Massa, claro. – concluía a garota por si mesma.

-Só uma brincadeira para descontrair.

Os dois se olharam, sérios, e voltaram-se cada um para seu cardápio, verificado o que a casa oferecia. Realizaram seus pedidos, foram servidos e tiveram de chegar à meia garrafa de vinho para que, de fato, começassem a se soltar, falando mais abertamente. Exatamente como as pessoas que pouco se conhecem, precisaram de tempo para ganhar certa intimidade, posto que conversavam apenas por telefone e pelo menos cinco anos haviam se passado, da última vez em que se viram e:

-…Nos beijamos.

Raissa baixou o olhar, desconfiada, e após uma respiração mais profunda e um sorriso pálido, disse:

-É, nos beijamos. Veja, temos motivos para ficar mais à vontade, agora. Nos beijamos.

-E se…

Os dois se olharam fixamente, aproximaram as cabeças e um festival de luzes multicoloridas invadiu as vibrações nervosas de Raissa, era exatamente o mesmo beijo, como se fosse aquela menina de anos atrás, sonhando com um amor de novela ou como Teresa pensando em seu amado Simão, da literatura romântica. Para Luca era ligeiramente diferente, pelo fato de desta vez não sentir o gosto de morango do brilho labial daquela guria vinda de São Paulo e que se tornara tão bonita.

E para completar o espetáculo não faltava mais nada, havia uma data especial, boa comida, vinho e um local agradável, mesa enfeitada com flores:

-Boa noite.

-Fala, Maurício. Tudo bem?

-Beleza. E aí, comemorando com a minha amiga?

-Comemorando? Comemorando o que?

-Comemorando o que? Doze de junho, dia dos namorados. Esqueceu? – e dava aquela piscada de lado, modo que Raissa odiava quando ele fazia ao tentar ser engraçado.

-Bem, somos amigos de algum tempo.

-Opa! Sabe que eu também sou amigo dela. Saímos juntos já, assim como amigos.

-Ah, legal.

-Amigos, somente amigos.- comentava Raissa, um tanto ríspida.

-Bem, não convido vocês para sentar por que já estamos quase na sobremesa.

-Sem problemas, fiquem à vontade. Eu e a Verônica vamos pegar uma mesa ali. Obrigado. Lembra da minha amiga?

-Verônica? Ah, sim, lembrei.

-Oi – acenava a garota, simpática.

-Até mais, Rá.

Não era novidade para ninguém, Raissa odiava determinadas intimidades. E exatamente por isso, Maurício fazia questão de irritá-la, como fazem os adolescentes precisando se destacar.

-E então, você saiu com ele?

-Estávamos bem até agora. Para que isso? Vai dar uma de ofendido, por nada.

-Nada? Então meu amigo chega, fala que saíram “assim como amigos” e fica por isso mesmo.

-Puxa vida! Você tem que reagir dessa maneira. Para começar, saímos juntos sim, como amigos, eu, Elisa, ele e o Antônio, primo dele. Só quis dar uma força para minha amiga, só isso.

-Então vai querer dizer que sua amiga estava interessada no Tony e você foi só de companhia da tal de Elisa, ficando você e o Maurício “assim como amigos”.

-Na verdade eu não te devo satisfações, certo? E mais uma coisa, incrível a intimidade de vocês, só podiam ser grossos mesmo, tão próximos, a falta de educação é contagiosa.

-Mimada.

-Mimada?!

O clima da mesa próxima dali não diferia tanto assim, Verônica não gostara nem um pouco do modo como Maurício referira-se a ela:

-Amiga? Essa é boa.

-E somos o que, oras? Eu estou carente, você também. A gente se compensa.

-Carente, então esse tempo todo eu estou cuidando de um garotinho carente?

-Esse tempo todo?

-Se você não reparou, estamos juntos há meses.

-Agora porque eu durmo na sua casa, quer dizer que estamos juntos?

Não foi preciso nem um segundo a mais, Verônica levou a mão espalmada na face de Maurício, fortemente.

-Você ficou louca?

-Não, mas posso ficar. Vai falar mais alguma coisa?

-Não. Não preciso falar mais nada. Todas as atenções se voltaram pra gente. Reparou?

-Ótimo, assim você vai ter a melhor recordação de mim.

Os dois já estavam em pé, de frente um para o outro.

-Não preciso de recordação. Já fiquei bem satisfeito de você – e Maurício tomava o guardanapo para limpar a boca.

-Desgraçado!

Verônica pegou as flores do vaso colocado sobre a mesa e as jogou no chão, tentando utilizar a arma mais próxima que visse para acertar Maurício, no caso, o próprio vaso.

Entretanto, os garçons que passavam perto da mesa, trataram de impedir a moça de tal ato, levando a outro espaço do restaurante, até que se acalmasse. Maurício não quis mostrar-se tão envergonhado com a situação e engrenou um breve discurso:

-Senhores, me desculpem pelo transtorno. Acabamos, apenas, de fazer um esquete, uma cena, enfim, para brindar esta data especial. Na verdade, o restaurante deseja que prossigam em seus romances por muitos e muitos anos, até que a morte os separe ou as alianças se percam. Muito obrigado.

Houve quem aplaudisse e aqueles que olharam com ar de estranheza. E o outro casal presente, perante o fim das boas expectativas do encontro:

-Acabou a palhaçada do seu amigo?

-Raissa? Você está bem?

-Estou ótima, não percebeu. Estou sorrindo, olha só.

-Desculpa.

-Desculpa e pronto. Tudo resolvido. Eu dou um beijo em você e acabou-se.

-Não faz isso.

E Maurício olhava, de longe, o que lhe parecia um novo casal e encontrando o olhar de nossa Julieta, respirou fundo como quem não pode fazer nada diante de uma situação adversa. Raissa, correspondendo ao que os olhos do mancebo não queria ver, beijou Luca, novamente, transportando-o do mundo real:

-Nossa. Se for assim que tu aceitas minhas desculpas.

-Me leva para casa?

-Agora?

-Agora, por favor.

O rapaz agiu conforme as vontades da moça, afinal era um encontro depois de tempos de esforços ao telefone e não iria desperdiçar a única oportunidade que tivera, ainda tendo percebido a evolução de Raissa depois dos anos corridos. Seus pais ficariam contentes de vê-los juntos, pois apesar de se encontrarem já no novo século, dito tão cheio de modernidades, faziam questão de que o filho fizesse um bom casamento – querendo uma esposa diferente das de épocas passadas, uma mulher dinâmica, talentosa e que principalmente fosse uma parceira para prosseguir os negócios da família.